A Martiform esteve à conversa com Sérgio Cambas, responsável pelas Cervejarias Brasão, por O Paparico e, brevemente, pela Granu.
Um criador livre que agita a cozinha e os conceitos culinários portugueses, resgatando-os para o presente. Em constante evolução para proporcionar experiências de consumo na área da Restauração Portuense.
Questionámos este visionário, guiado pela emoção e criatividade com uma visão extraordinária de negócio. E entendemos o seu pensamento eficiente, criativo e focado no bom serviço, na qualidade e no ambiente, mas sobretudo nas suas equipas e, claro, no cliente.
Martiform (M): Fala-nos um pouco daquilo que acreditas ter influenciado o teu perfil como empresário de hoje.
Sérgio Cambas (SC): A restauração é uma área muito específica, muito desafiante.
Acredito que acabei por converter-me a empresário da restauração, porque sempre tive um grande amor pela restauração, pela hotelaria e pela arte de servir.
Não procuro ser empresário através da restauração, mas foi a restauração que me converteu em empresário.
M: Olhando para trás, vemos uma família com uma grande história na restauração. Quando e como surgiu o espírito empreendedor que te faz avançar com o teu primeiro espaço (O Paparico) no mercado da restauração?
SC: A minha raiz efetivamente tem uma ligação muito grande com a restauração, uma família muito ligada à agricultura e essa mesma área, a área da agricultura, é uma área em que cada um define o seu próprio negócio: tu produzes e vendes.
Por um lado, tens a responsabilidade e por outro, a autonomia para desenhar o teu próprio caminho.
O que me foi definindo como empreendedor ou alguém que define o seu próprio caminho, foi o facto de ter “bebido” um pouco dessa raiz.
Desde sempre e ainda antes dos meus pais entrarem no negócio da restauração, ouvia um princípio que me influenciou de forma irreversível: “tens de definir o teu próprio caminho”.
Nunca vi exemplos de proximidade, em que para sermos alguém ou para irmos trabalhar para uma grande empresa, tínhamos de ter um curso.
O princípio ao meu redor era sempre autonomia e liberdade. Liberdade, para fazeres aquilo que achares correto para o teu negócio, para o teu restaurante, para o teu campo de plantio, assumindo com isso as responsabilidades decorrentes dessa decisão.
Portanto, eu nunca fui criado para pensar de outra forma, mas sim, para pensar dentro das minhas próprias ideias, assumindo tudo de bom e toda a responsabilidade que daí advém.
Mais do que ser Empresário, eu sou uma pessoa que gosta de pensar pela minha própria cabeça e de definir o meu próprio caminho.
M: Quem te conhece sabe que tens uma grande veia de criatividade e que gostas de olhar para todos os teus projetos como algo “Work in Progress”. Onde achas que o teu Grupo poderá chegar daqui a 10 anos?
SC: Quem já nos visitou ou já teve reuniões nos meus escritórios, sabe qual é a primeira frase que se encontra à porta: “bem-vindo ao lugar onde está tudo por fazer!” e isto, é um princípio de inquietude e ao mesmo tempo de auto-motivação para os meus, para nunca acharmos que estamos num patamar estático ou de excelência. Até porque e mais no nosso negócio, tudo muda muito rapidamente, e essa mudança remete para uma palavra que para mim é fundamental: adaptação.
Dentro de um quadro de adaptação, eu tenho tido o cuidado de na base do meu grupo de restaurantes, procurar a intemporalidade. Isto é, procurar conceitos, expressões, princípios e valores de serviço que sejam sólidos.
E ser sólido não é necessariamente deixar de arriscar, mas é acima de tudo, procurar criar obras de restauração que cheguem ao maior número de público possível, que sejam facilmente interpretáveis, facilmente entendíveis e que nos remetam sempre para aquela grande dimensão que é: “este conceito nasceu hoje, mas parece que já está aqui desde sempre”.
E essa intemporalidade, na minha forma de ver as coisas e vendo-as de forma muito atual, é garantir que a base de tudo o que vem a seguir, seja uma base que não está necessariamente exposta ao tempo.
Temos muitas coisas em carteira, muitas Marcas interessantes, algumas ainda em seguimento daquilo que é uma das missões que eu tenho para esta década como empresário: atualizar aqueles conceitos que na minha perspetiva estão mais obsoletos, ou que não souberam adaptar-se nos vários detalhes, que não foram intemporais.
Foram muito bons naquela época, daí terem nascido e terem sobrevivido até agora, mas a certa altura desatualizaram-se de forma radical, ficaram estáticos.
Basta por exemplo ver o impacto que as Cervejarias Brasão tiveram na cidade do Porto.
Num mundo de clássicos, de facto havia espaço para outro clássico que soubesse falar de forma atual, que soubesse chegar às pessoas, sem necessariamente ter que apresentar uma lógica de tendência, mas sim, uma lógica de “modernização”, com a suavidade necessária para continuar a chegar a todas as gerações e acima de tudo, para continuar a fazer felizes todas essas gerações que acabam por ser consumidores e Clientes regulares da própria Marca Brasão.
Mais do que estar à procura de uma tendência, estou à procura de diversidade dentro daquilo que são as experiências de consumo, pois o dia tem 24 horas e dentro dessas 24 horas podemos fazer muitas coisas.
Há momentos de consumo radicalmente diferentes e em segmentos diferentes, tanto de preço como de conceito e o meu objetivo nos próximos 10 anos, é diversificar toda essa oferta para podermos abranger ao máximo as 24h do dia.
Por isso, nos próximos 10 anos vejo-nos a manter este cunho, esta identidade muito marcada.
M: Na viagem que tens feito até aqui, qual o papel que o erro e as falhas tiveram, até encontrar o sucesso com O Paparico e as Cervejarias Brasão?
SC: Quando damos determinados passos no sentido de criar determinados conceitos, primeiro que tudo, temos de saber para o que vamos e preparar-nos antes para dar “esse salto”.
Quando uma pessoa inicia determinado negócio, deve dominar esse negócio e depois a partir daí é que o erro tem valor. Se não for assim, é porque o erro é mesmo ingenuidade e eu não gosto de considerar que aquilo que é feito, é feito por ingenuidade, mas sim feito de facto porque estás a abrir novos caminhos e muitas das vezes estás a fazer experiências.
Na minha maneira de ver, as pessoas não aprendem só com os erros. Os erros são muito úteis para podermos melhorar a experiência que damos ao Cliente e que damos aos nossos próprios colaboradores.
Mas eu acima de tudo, não espero que o erro aconteça para começar a vislumbrar uma oportunidade de melhoria.
Independentemente de estarmos a trabalhar e de estarmos a considerar de forma muito humilde o erro, temos é de encarar aquilo que fazemos bem feito, como desde logo uma oportunidade para repensar em algo diferente e evoluir.
Grande parte das vezes nós trabalhamos naquilo que são as necessidades expressas por quem nos visita, mas acredito que o sucesso a longo prazo, tem a ver com o grupo olhar para as necessidades mesmo não expressas. Ou seja, nós temos de estar antes que o erro aconteça!
M: Qual o maior desafio que consideras que a indústria da restauração enfrenta neste momento?
SC: A indústria da restauração, viveu nos últimos anos aquilo que eu chamo de profissionalização.
Felizmente e falando nos últimos 15 anos, houve uma grande transformação e essa transformação, trouxe consigo o ADN de uma arte que sempre viveu com grande espírito de sacrifício, pois trata-se de uma área que exige muito intelectualmente e fisicamente de todos os intervenientes.
É uma área que está habituada a sofrer, a ter de superar, e o grande desafio da restauração nos próximos tempos é o de transformar.
Transformar o primeiro nível da restauração, onde pessoas amadoras que nunca tinham trabalhado na área se situam.
A segunda transformação é o de profissionalização geral, em que é introduzida uma grande estrutura associada a novos profissionais e onde entra a criatividade de uma forma muito mais ampla e democrática.
Por último, o terceiro passo, e o grande desafio que temos, é de tornar esta área, primeiro que tudo, extremamente valorizada, não só por quem trabalha nela, mas pelos próprios consumidores e, através desse processo de valorização, que se inicia com o Chef mas que ainda não transitou para todos os profissionais da área, possamos cativar e tornar esta carreira extremamente interessante, valorizada e reconhecida.
Por isso, o grande desafio nos próximos anos vai estar em trazer mais pessoas de outras áreas ou que ainda não tenham uma área definida, para a restauração, permitindo que estas encontrem aqui um lugar de concretização e realização.
M: Qual o conselho que dás a essas pessoas que podem vir a interessar-se pela área da restauração?
SC: O único conselho que dou é: se nós procurarmos ser valorizados, reconhecidos e estimados então devemos valorizar-nos, conhecer-nos e estimar-nos, principalmente através da procura de conhecimento.
Quanto mais nós sabemos de uma coisa, mais excitante essa temática se torna.
M: No teu ramo de atividade, que tem evoluído a um ritmo alucinante, há tempo para arrependimentos?
SC: Não há arrependimentos para um criativo!
Uma pessoa que vive da criação olha sempre para tudo como uma obra, independentemente do aspeto que tenha. Portanto, eu quero melhorar a obra de forma continua não havendo tempo para arrependimentos. Há tempo sim, para continuar a acrescentar valor a qualquer coisa que se faça.
M: Falaste agora de acrescentar valor e isso é o mote perfeito para falarmos da nova Marca que vem aí, a Granu. Queres falar-nos um pouco sobre ela?
SC: A Granu vai nascer na Praça Velasquez no Porto e o que se pode esperar, acima de tudo, é um bocadinho na matriz do que tenho vindo a dizer desde o início desta entrevista.
Há conceitos que se perdem no tempo e hoje em dia quando vou à cafetaria de proximidade encontro exatamente o mesmo cenário, o mesmo tipo de produto.
Hoje em dia uma padaria tem como raiz vender pão, mas este é extremamente inspirador para ser abordado em variadíssimas horas do dia.
Por isso, aquilo que podemos esperar da Granu é um conceito ancorado em pão de grandíssima qualidade, pão de massa mãe, em cereais de qualidade, em profissionais que de facto dominam e procuraram aprofundar, estudar e testar grande parte das técnicas ancestrais que se foram perdendo ao longo dos tempos e que hoje acabam por ser um regresso ao passado.
Um pão saudável que nos acompanhe com um galão ou com uma omelete. Um pão que faça uma fantástica tosta mista, que seja acompanhamento para uma tábua de enchidos, que seja a base de uma sande de presunto ou de uma sande com ingredientes frescos.
Assim e sempre à volta do pão, conseguimos fazer variadas refeições ao longo do dia, mas nunca perdendo a noção que esse pão acima de tudo, nutre. É um pão com uma excecional qualidade e absolutamente diferenciado, sendo ao mesmo tempo saboroso.
M: Recentemente reabriram O Paparico no qual podemos notar, não só uma mudança na experiência gastronómica, mas também nos uniformes. Quais os detalhes fundamentais e como surgiu a inspiração para esta criação?
SC: Cada conceito de restauração tem e deve ter uma identidade bem marcada, porque sem um conceito definido as pessoas nunca sabem muito bem o que podem esperar ou que vão encontrar, por isso os conceitos em restauração têm que ser muito marcantes.
O conceito d´O Paparico, de dentro para fora ou da forma como o sentimos, é quase um lugar onde se pode encontrar uma cozinha portuguesa de excelência que, quiçá, já não se encontra com tanta diversidade ou com um trabalho de pesquisa tão grande.
Quando entramos num restaurante como é O Paparico – que equilibra muito bem a elegância com a rusticidade, que são dois estilos que nem sempre se encontram a coabitar em simultâneo – esperamos ter uma experiência total.
Ou seja, queremos esquecer-nos de tudo o que está a acontecer e sermos completamente envolvidos pela experiência. Por isso, um dos detalhes que nós trabalhámos nesta rentrée foi de facto que o uniforme expressasse também e de uma forma muito marcante, essa experiência.
Encontrar alguém que faça algo de raiz não é fácil e nós encontramos em vocês os mesmos valores de inquietude, criatividade e vontade de fazer algo “fora da caixa”.
Os novos uniformes d´O Paparico expressam numa matriz discreta e elegante, um bocadinho daquilo que é a vestimenta tradicional portuguesa de Norte a Sul.
Procuramos unificar em peças únicas e criadas de raiz, um conceito que tivesse detalhes por exemplo do traje tradicional minhoto, detalhes associados aquilo que é um dos trajes, na minha opinião mais elegantes e finos: o da cavalaria portuguesa e por fim que fosse buscar também aqueles detalhes dos uniformes dos forcados.
Portanto, são vários os elementos que expressem nos uniformes essa viagem que é Portugal no que toca aos trajes tradicionais.
Mas foi um grande desafio criar apontamos que por distração, conseguissem criar um conceito que se enquadrasse em simultâneo com os pilares de elegância e rusticidade que O Paparico tem.
Foi extraordinário! E o mais importante de tudo, é que a Equipa quando veste o uniforme, sente-se especial e a defender uma causa importante, que no fundo é a causa que move O Paparico.
M: E nas Cervejarias Brasão? Queres falar um pouco dos detalhes e de como surgiu a ideia da criação do uniforme?
SC: Como disse anteriormente, cada espaço tem de ter uma identidade muito própria.
As Cervejarias Brasão são conceitos com afluências muito grandes, por isso um dos focos para a criação dos uniformes, foi sem dúvida alguma o conforto.
Por isso, o uniforme tinha de ser prático e o colaborador tinha de se sentir bonito e confortável.
Aqui, nós construímos desde a sapatilha até ao pin que expressa a própria Marca.
Como consumidor eu acho muito importante ter um serviço invisível, isto é, gosto de um serviço que tenha uma presença útil: um serviço que esteja lá para quando eu precisar ou antecipando o que eu necessito, mas sem nunca sentir a presença muito marcante do colaborador. E as criações dos uniformes da Marca Brasão tiveram esse princípio.
M: Por fim e levantando um “pouco do véu”, já existem uniformes pensados para a Granu, não é verdade?
SC: Sim, a Granu tem neste momento um projeto em andamento e que está bastante adiantado. Estamos quase em fase de conclusão daquilo que são os uniformes.
Aqui e envolvendo um bocadinho o conceito arquitetónico, o conceito dos produtos, do cereal, as matizes cruas, leves, frescas, procuramos uma ”onda mais relaxada”.
Procuramos tamanhos um pouco acima do dito normal, para que o serviço possa ter fluidez, quase dando a ideia de “balançar do trigo num campo”. Procuramos trabalhar com tecidos leves, com tecidos mais naturais, mais crus, expressando assim a claridade que nos é dada por exemplo pela farinha.
Um dos materiais que por exemplo vamos utilizar é o linho. Escolhemos este material mais uma vez porque nos remete para as espigas, os cereais, …
Por isso, tudo o que pensamos vai expressar tanto em textura como em fluidez essa energia, essa leveza de “um campo de trigo ao entardecer, no final de Agosto antes da colheita”!